PENSAR POSITIVO - Abordagem Conceitual e Científica
Muito se
fala que a mente move montanhas. Você seria um ímã e atrairia tudo o que
desejasse. A boa fortuna estaria ao alcance de suas mãos (ou melhor, da sua
cabeça). Será? Uma atitude otimista faz um bem danado, sim. Mas ninguém
consegue ficar rico só com a força do pensamento. Saiba como isso funciona
Pense. Em
qualquer coisa. Numa casa, por exemplo. Imagine-a pintada de branco, com janelas
azuis e cercada por um terraço com escadas que levam a um jardim. Ali estão
margaridas, girassóis e uma árvore frondosa.
Nos 10
segundos que você levou para chegar até aqui, uma avalanche de sinais nervosos
ocorreu no seu cérebro. No córtex (camada periférica dos hemisférios
cerebrais), milhares de neurônios foram acionados e trocaram informações em
frações de segundo. Arquivos de memória foram vasculhados e, sem que você
pudesse controlar ou prever, a imagem de uma casa surgiu em sua mente. Por isso,
você deve ter sentido um bem-estar, uma vontade de possuir essa casa de
verdade.
Dentro de
nossa caixa craniana ocorrem milhares de outros processos – esse que você
acabou de perceber é o que podemos chamar de pensamento positivo, uma idéia
que, nas prateleiras das livrarias, vem ganhando contornos de magia. Basta ter
uma atitude otimista para atrair o que deseja. Dinheiro, amor, saúde, sucesso.
Tudo. Qualquer coisa pode estar ao seu alcance se você pensar positivamente,
com firmeza, dizem os autores de auto-ajuda.
“Aquilo em
que você mais pensa ou se concentra se manifestará”, garante Rhonda Byrne.
Essa australiana de 52 anos alega ter desenterrado uma verdade preservada
a sete chaves por sábios, filósofos, cientistas e gente de sucesso. E revelou
sua descoberta no filme O Segredo, que vendeu mais de 2 milhões de cópias em
dvd no mundo inteiro. O livro homônimo, lançado por ela, também virou um
fenômeno de público, com 6 milhões de exemplares vendidos em apenas um ano.
Byrne resume o que descobriu em frases de efeito como: “Sua realidade atual ou
sua vida atual é resultado dos pensamentos que você tem”. Hoje, uma legião de
fãs segue seus ensinamentos.
Esse
mistério alardeado por Byrne não é nenhum segredo. Já faz tempo que diversos
escritores têm divulgado as benesses do pensamento positivo. Um dos primeiros a
falar sobre o assunto, Norman Vicent Peale, autor de O Poder do Pensamento
Positivo, em 1952 já dizia: “Mude seus pensamentos e você mudará seu mundo”.
Hoje, a lista de livros que ensinam a usar os poderes da mente é quilométrica.
Há o médico indiano Deepak Chopra (As Sete Leis Espirituais do Sucesso), o
casal de videntes Esther e Jerry Hicks (Peça e Será Atendido), a palestrante
motivacional Sandra Taylor (A Ciência do Sucesso), apenas para citar alguns dos
mais badalados. Outro autor conhecido é o físico Amit Goswami (O Universo
Consciente), cujo livro inspirou o filme Quem Somos Nós? (2005), espécie de
documentário de auto-ajuda que recorre à física quântica para falar dos
potenciais da mente.
Em comum,
todas essas teorias têm o fato de recorrer a argumentos científicos para
afirmar que é possível fazer o cérebro funcionar a nosso favor e gerar
resultados surpreendentes. No caso da física, especialmente da física quântica,
os autores nos comparam o tempo todo com elétrons (veja quadro na página 58).
Bastaria
utilizar a técnica correta para colhermos os benefícios na saúde, trabalho e
relacionamentos. É bom lembrar que, aos olhos da quase totalidade dos
cientistas, essas teorias não fazem sentido nenhum. Por outro lado, a todo
instante, deparamos com situações que parecem mostrar o contrário. O que dizer,
por exemplo, de pessoas que parecem ter descoberto a fórmula secreta do sucesso
e realmente se dão muito bem em tudo o que fazem? Ou dos otimistas a quem nada
parece abalar? Ou ainda daqueles que dizem ter vencido doenças graças à atitude
mental positiva? Relatos não faltam. Pois bem. Dentro deste caldeirão em que
tudo parece ter o pensamento positivo como pano de fundo, você vai descobrir o
que se fala a respeito, o que é fantasia, o que já foi comprovado e o que ainda
permanece um mistério.
O
que se diz por aí
Peça,
acredite e receba. Simples assim é a fórmula apresentada por Rhonda Byrne,
autora de O Segredo. “No momento em que você pede alguma coisa, e acredita, e
sabe que já a tem no invisível, o Universo inteiro se move para deixá-la
visível”, diz. No livro e no filme de mesmo nome, não faltam relatos de gente
que conseguiu a cura de doenças, o amor ideal ou até um colar de diamantes como
num passe de mágica. O segredo ensinado por Byrne é observar o Universo como
uma lâmpada mágica – e se comportar como o Aladim. Ao esfregar a lâmpada – ou
seja, ao pensar positivamente – seus desejos se materializariam.
Na base
dessa afirmação, está a crença de que os pensamentos são magnéticos e emitem
uma freqüência poderosa capaz de influenciar as pessoas e coisas à nossa volta.
De acordo com esse raciocínio, quando você pensa positivo, entra numa
freqüência positiva e atrai coisas benéficas para a sua vida – o pensar
negativo, segundo Byrne, causa o efeito inverso.
O guru
indiano Deepak Chopra, outro astro que ensina como usar a mente positiva em seu
benefício (ele orienta celebridades como Madonna), usa outro discurso para
atingir o mesmo fim, ou seja: saúde, sucesso e riqueza. Segundo ele, o corpo
deve ser entendido como um campo de energia que precisa estar em equilíbrio.
Suas técnicas de meditação ajudariam na tarefa de chegar lá.
São
centenas de teorias para quem deseja potencializar a mente. Os autores vêm de
áreas diversas, da gestão de carreiras e esportes, passando pelo espiritismo e
pela psicologia. Muitos afirmam ser especialistas em “potencializar a mente” e
na “transformação pessoal”. Geralmente, elaboram suas teorias a partir das
próprias experiências de sucesso e auto-superação. Dentro dessa babel de
ensinamentos, porém, algumas idéias acabam se repetindo. É o tripé energia,
magnetismo e holismo.
Energia,
magnetismo e holismo
Para a
física, de modo bem resumido, energia é a capacidade de um corpo executar um
trabalho ou realizar um movimento (por exemplo, o fogo é uma fonte de energia
empregada para cozinhar alimentos que, por sua vez, fornecem energia ao corpo).
No caso da auto-ajuda, contudo, é bom você esquecer o que aprendeu na escola.
Energia, segundo muitos desses autores, é uma força que anima todas as coisas,
uma fonte de bem-estar e amor. Com o treinamento correto, ela poderia ser
direcionada para todas as finalidades, inclusive as mais cotidianas – por
exemplo, receber uma promoção no trabalho, achar uma vaga na garagem do
shopping e evitar os quilos extras mesmo comendo além da conta. “Quando nos
distanciamos dessa energia, surgem problemas, medos, carências e doenças”, diz
a escritora Esther Hicks, em seu livro com o sugestivo nome Peça e Será
Atendido.
O
magnetismo (capacidade de alguns materiais se atraírem ou se repelirem) é outro
conceito bastante apropriado pela literatura sobre pensamento positivo. A
crença é que a mente atuaria como um ímã capaz de vibrar com força suficiente
para atrair objetos e acontecimentos. Só que a idéia clássica da física de que
pólos opostos se atraem não vale aqui. Pensamentos positivos atrairiam
experiências positivas – e vice-versa. O escritor Michael Losier ilustra com um
clássico exemplo: se você acordar mal-humorado, der uma topada na cama, queimar
a torrada e não controlar a raiva, irá vibrar negativamente e atrairá vários
problemas para o seu dia. No livro Lei da Atração – O Segredo Colocado em
Prática, ele chama essa seqüência de causas e efeitos de Lei da Atração e diz
que ela “sempre se harmoniza com sua vibração, seja ela positiva, seja
negativa”.
Já o filme
Quem Somos Nós? propagou outra idéia bastante popular: todos estamos
interligados. “Você e eu somos um, há uma conexão invisível entre todas as
coisas”, diz o filme. Esse conceito pode ser resumido numa única palavra:
holismo (do grego holos, que significa “todo”). É mais ou menos aquela frase
que diz: “Uma borboleta que bate asas no Japão pode causar um tornado no
Brasil”. Alguns autores dizem que a nossa mente atuaria como a borboleta. E
você, leitor, adestraria esse inseto como bem entendesse. Dessa forma, seria
capaz de causar benefícios em série. Por exemplo: se você quiser muito uma
resposta positiva de um emprego, vai conseguir não somente o trabalho como uma
excelente colocação, um aumento de salário, viagens pelo mundo inteiro e logo
um grande amor com quem terá 3 filhos lindos. É um efeito dominó.
Isso
faz sentido?
A ciência,
de um modo geral, vê o assunto com desconfiança, uma vez que faltam trabalhos
acadêmicos reconhecidos para comprovar que essas teorias realmente funcionam.
Em geral, os autores costumam apresentar muitos relatos de pessoas que afirmam
ter tido sucesso com as técnicas de pensamento positivo – mas relatos isolados
não provam nada, por mais incríveis que sejam. Existem normas que devem ser
seguidas para um estudo ser levado a sério. É preciso observar o fenômeno,
criar uma hipótese para explicá-lo, depois coletar dados relacionados àquilo
que se estuda e, por fim, testar se a hipótese é realmente verdadeira.
Esse processo pode demorar alguns anos.
O problema
é que as teorias sobre o pensamento positivo costumam se apropriar de conceitos
científicos para validar idéias que, como acabamos de falar, estão fora do
campo da ciência. Nesse caso, a crítica mais aguda vem de áreas como a física e
a neurociência. “Muitos tomam uma teoria e tentam generalizá-la para tudo”, diz
o neurofisiólogo Roque Magno de Oliveira, professor da UnB.
Um exemplo
é o uso do conceito de energia, que passou a significar algo diferente do que
diz a física. “Na verdade, essas pessoas consideram energia aquilo que eu
considero empatia. Isso não tem nada a ver com física, e sim com a psicologia
das relações humanas”, afirma o físico Ernesto Kemp, professor do Instituto de
Física da Unicamp. A física também rejeita a badalada Lei da Atração, que diz
que os pensamentos criam campos energéticos à nossa volta. “O pensamento como
energia, como uma espécie de campo que age a distância, é algo que nunca foi
comprovado cientificamente”, explica Adilson José da Silva, professor do
Instituto de Física da USP. Ou seja, nunca ninguém detectou esse tal “campo
energético”. É verdade que, no cérebro humano, ocorrem estímulos elétricos o
tempo todo. Mas, segundo Ernesto Kemp, os pulsos elétricos liberados durante as
sinapses são tão fracos que a probabilidade de o campo eletromagnético que você
está gerando com suas sinapses interagir com o de outras pessoas é nula.
Os
neurocientistas, por sua vez, concordam que o estado de ânimo pode, sim,
influenciar o nosso organismo de várias maneiras. Os hormônios associados ao
estresse têm grande influência na consolidação da memória. Ou seja, a idéia de
que pensar positivo faz bem não é absurda. “Quando estamos muito estressados, o
nível dos hormônios secretados é alto e influencia negativamente esse
processo”, afirma o neurocientista Martin Cammarota, pesquisador do Centro de
Memória da PUC de Porto Alegre. De acordo com ele, não temos controle total
sobre nosso cérebro nem sobre os processos químicos e celulares que ocorrem
nele. “O ser humano é uma soma de circunstâncias. Por mais que você pense
positivo, seus níveis de colesterol no sangue não vão diminuir somente em
conseqüência disso”, ressalta. No caso do colesterol, dieta e exercícios são
algumas das circunstâncias a ser consideradas.
Mas
pensar positivo funciona?
Funciona.
Mas não como a maioria das pessoas gostaria. O pensamento positivo não vai
engordar sua conta bancária do dia para a noite. Nem fará carros e diamantes
orbitar ao seu redor. Porém, segundo várias pesquisas, uma atitude otimista
pode influenciar muito a resistência do organismo às doenças.
Uma
comprovação disso veio da Universidade Harvard, nos EUA. Há 5 anos, um grupo de
médicos da instituição descobriu que pensar positivamente pode fazer bem para
os pulmões. Os pesquisadores avaliaram o estado de saúde de 670 homens na
faixa dos 60 anos de idade. Também aplicaram testes de personalidade para
identificar quem eram os otimistas e os pessimistas. Depois de 8 anos,
constatou-se que a turma do bom humor tinha um sistema imunológico mais
resistente a doenças pulmonares quando comparada ao grupo dos estressados. Até
mesmo os fumantes otimistas apresentaram resultados melhores que os adeptos do
tabagismo que eram, digamos, baixo-astral.
O coração
também bate melhor quando estamos com bom humor. Os pesquisadores do Instituto
Delfland de Saúde Mental, na Holanda, monitoraram homens com idade entre 64 e
84 anos durante 15 anos. A incidência de infartes e derrames foi menor entre
aqueles que tinham uma atitude positiva. Os otimistas apresentaram ainda 55%
menos risco de ter doenças cardíacas.
O que essas
pesquisas revelam pode soar óbvio: pessoas com disposição para ver o lado
positivo da vida tendem a cuidar mais da saúde, a praticar exercícios e se
alimentar melhor. Porém, há outra explicação, que fala da relação entre os
hormônios e o estresse – problema que os otimistas parecem enfrentar melhor em
relação aos pessimistas. Longos períodos de irritação e melancolia influenciam
a secreção de alguns hormônios. “No estresse crônico predomina a ativação do
córtex das glândulas supra-renais com produção de cortisona, que é um hormônio
imunossupressor, ou seja, que diminui a ação do sistema imunológico”, explica o
médico Régis Cavini Ferreira, especialista em psiconeuroendocrinologia, uma
área que estuda a relação entre cérebro, hormônios e comportamento. “Assim,
evitando o estresse, o indivíduo tem melhor competência imunológica para se recuperar
das doenças”, afirma. As glândulas supra-renais, aliás, parecem ser um dos
principais termômetros do pensamento positivo no nosso corpo. Como o próprio
nome diz, elas ficam na parte superior dos rins e sua função consiste
basicamente na liberação de hormônios. Isso acontece como resposta ao nível de
estresse a que formos expostos.
O
poder da motivação
Quando o
assunto sai da área de saúde e bem-estar, os resultados do pensamento positivo
ainda são controversos – pelo menos no que diz respeito aos estudos acadêmicos.
A ciência não confirma a eficácia do otimismo na obtenção de sucesso
profissional ou do êxito em qualquer outra atividade. Contudo, não faltam
exemplos de que alguma coisa parece funcionar a nosso favor quando adotamos uma
atitude “para cima”. Ou melhor: quando estamos motivados. O técnico da seleção
masculina de vôlei, Bernardinho, por exemplo, conhece bem os resultados que um
time talentoso e focado no sucesso pode alcançar – como o pentacampeonato da
Liga Mundial, o campeonato olímpico e o bicampeonato mundial. Há algum tempo,
ele vem compartilhando sua experiência com grandes empresas, realizando
palestras em que ensina os segredos do trabalho em equipe e da superação
individual.
“Temos que
buscar sempre a renovação e a qualificação individual. Cabe aos comandantes
identificar líderes do grupo e trabalhar na motivação de todos para o sucesso
coletivo”, disse Bernardinho em uma palestra na UnB. Nessa frase, ele resume
alguns de seus principais pilares para o sucesso: superação, obstinação, treinamento,
persistência, foco na liderança. E, claro, motivação. Misturando esses
ingredientes com uma boa dose de trabalho, afirma o treinador, não tem erro.
Pode ser nas quadras, no escritório, dentro de casa, na sala de aula.
A motivação
é mesmo uma palavra de ordem dentro do vasto universo do pensamento positivo.
No mundo dos negócios, ela veste uma roupagem mais elaborada, tem estratégias
bem traçadas, baseadas no planejamento e na execução de metas.
É aqui que
entra a programação neurolingüística (PNL), uma outra referência quando o
assunto é o poder da mente positiva. Criada nos anos 70 por um matemático e um
lingüista americanos, a PNL ensina a reprogramar o cérebro por meio de
exercícios envolvendo imagens, sons e toques. As técnicas, que ficaram
populares no Brasil com os livros do médico Lair Ribeiro, são usadas para
incrementar a criatividade, o aprendizado e a memória. Entre outras coisas, a
PNL ensina que cada pessoa deve encontrar o seu “motivo” para entrar em ação,
estabelecendo metas concretas e desejando ser extraordinária no que faz.
Os motivos
que nos fazem agir são um assunto sério para a
psicologia. A motivação, nessa área de estudos, é
considerada o conjunto de fatores que impulsionam o nosso comportamento.
Alguns são comuns a todo mundo, como a necessidade de se alimentar. Outros
variam de pessoa para pessoa, como o desejo de realização e poder. “A motivação
é aquilo que faz você levantar da cama todos os dias. E só você sabe quais são
seus motivos”, afirma a psicóloga Valquíria Rossi, professora da Universidade
Metodista de São Paulo. Pessoas motivadas geralmente têm objetivos claros e se
esforçam para alcançá-los, e aí está uma parte da explicação para o
sucesso. Por exemplo: se você está motivado a trocar seu Fusca por uma BMW, vai
se esforçar para descobrir o que precisa fazer para mudar de carro e não
desistirá facilmente.
Mas motivação
não age sozinha. Ela deve estar aliada justamente ao otimismo. Em outras
palavras: ao pensamento positivo. “Algumas pessoas têm predisposição para ver o
futuro com mais otimismo e, então, assumem a responsabilidade pela própria vida
e vão atrás do que desejam, sem responsabilizar os outros por eventuais
fracassos”, diz ela.
O negócio é
que essas duas atitudes – motivação e otimismo – não podem ser adquiridas
do dia para a noite. Insistir que deseja um carro se você, intimamente, está
feliz andando de ônibus não vai motivá-lo a trocar de meio de
transporte. E repetir “eu sou otimista” não vai transformar um pessimista de
carteirinha em alguém “para cima”. Uma das coisas que contribuem para isso
é a forma como fomos educados. Pensar positivo pode não ser fácil para alguém
que cresceu ouvindo frases do tipo: “Não arrisque” ou “Não faça isso, pois não
dará certo”. “Se você cresce nesse tipo de família, provavelmente
vai pensar assim”, afirma Valquíria.
Pensar
negativo faz mal?
Depende. Em
profissões que envolvem a previsão de riscos, por exemplo, um pouco de
pessimismo é até bem-vindo. Imagine um operador da bolsa que tem certeza que as
ações irão subir. Ou um controlador de vôo que sabe que os aviões não irão
colidir nunca. O pessimismo – que pode ser traduzido aqui como uma certa
ansiedade e medo do fracasso – faz uma diferença bem positiva nesses casos.
Durante
provas e exames, a tática de pensar positivo ou relaxar demais pode
igualmente sair pela culatra. Nessas horas, uma pequena dose de estresse irá
contar pontos a seu favor. Esse estresse agudo, ao contrário do crônico, não
prejudica o sistema imunológico. “Quando o nível de produção dos hormônios
associados ao estresse é moderado, ficamos em estado de alerta. Isso nos ajuda
a manter a atenção e nos predispõe à batalha”, explica o neurocientista Martin
Cammarota, do Centro de Memória da PUC de Porto Alegre. Atletas, por exemplo,
costumam se sair melhor nas competições quando estão mais tensos, uma vez que
secretam mais adrenalina. Nesse caso, o estresse é percebido pelo corpo como
algo bom.
Claro que
pensar repetidamente em coisas desagradáveis não faz bem para ninguém –
inclusive, pode fazer mal à saúde. Segundo a psicóloga Susan Andrews, a longo
prazo, a secreção do cortisol – um hormônio liberado em maior quantidade
durante o estresse crônico – pode matar até 25% dos neurônios do hipocampo.
Essa é a parte do cérebro responsável pela memória e pelo aprendizado. “Por
isso, quando estamos muito estressados e irritados, ficamos confusos e
esquecidos”, explica.
O médico
Régis Cavini também investigou o pensamento negativo. Ele avaliou a relação
entre a lembrança de acontecimentos traumáticos e o funcionamento do cérebro.
Descobriu que, ao evocarmos uma memória traumática, a secreção de hormônios
associados ao estresse aumenta como se estivéssemos revivendo aquela
experiência. “Ao lembrarmos de um trauma, o vivenciamos outra vez em sua
plenitude metabólica e emocional”, diz o pesquisador, que conduziu a
investigação no Instituto de Psicologia da USP. Aí pode estar a explicação
científica para a antiga idéia de que remoer o passado faz mal ou de que
desejar o mal a alguém faz o feitiço virar contra o feiticeiro.
Alimentar
idéias negativas, aliás, pode ser também um clássico sintoma de que algo não
anda bem. “Às vezes, a pessoa sofre de depressão, ansiedade ou simplesmente
aprendeu a ter pensamentos negativos ainda na infância com o pai e a mãe. E
assim entra num círculo vicioso”, diz o neurofisiólogo e psicanalista Roque
Magno, da UnB. A psicoterapeuta Eva Strum defende o acompanhamento médico para
os casos em que o pessimismo se torna crônico. Lembra, ainda, que doses
pequenas de pensamento positivo – conquistadas, por exemplo, durante a leitura
de um livro ou em atividades lúdicas – podem ajudar. Há 6 anos, ela fundou a
ong Pensamento Positivo, formada por voluntários que visitam hospitais de São
Paulo para divertir os pacientes com jogos e músicas. “Ao brincar,
você mexe com a endorfina, que é um medidor da sensação de dor. Quanto
mais relaxado você fica, menos dor sente”, afirma. A equipe do Pensamento
Positivo hoje percorre 11 hospitais paulistanos a cada semana. Para os
voluntários, se a ciência comprova ou não os efeitos dessa terapia
antipessimismo é o que menos importa.
Porque
só se fala nisso
Desvendar
os poderes da mente – essa insondável caixa cinzenta onde a vida pulsa e
residem tantos mistérios – tem sido a meta de gerações. O assunto ganhou fôlego
a partir dos anos 60, nos EUA, no auge da contracultura. Era a época das
comunidades alternativas, da valorização do misticismo oriental, da preocupação
com a natureza e dos experimentos com drogas alucinógenas. Nesse
caldeirão de novidades, surgiu o Movimento do Potencial Humano, que reunia
psicólogos, gurus e adeptos de terapias alternativas. Essa turma afirmava que o
ser humano possui capacidades inexploradas e que é possível transcender a mente
com o uso de técnicas que envolvem desde a meditação até massagens especiais.
As idéias fervilhavam principalmente no Instituto Esalen, na Califórnia, EUA,
um famoso ponto de encontro de hippies, terapeutas, escritores e pesquisadores
abertos a novas formas de conhecimento. Ali surgiu o que atualmente algumas
pessoas chamam de new age – ou nova era –, uma mistura de práticas
espiritualistas, terapêuticas e de auto-ajuda que influenciaram bastante a
cultura de hoje em dia e o modo de viver de muitas pessoas.
Outros fatores
também deram um empurrão na história do pensamento positivo como um tema que
norteia a vida moderna: o individualismo, o avanço da ciência e o declínio das
religiões tradicionais. Faz tempo que os mitos e dogmas religiosos deixaram de
fazer sentido para muita gente. Os dois últimos censos demográficos do IBGE
mostraram isso em números. Em 1991, a pesquisa revelou que 4,7% da população
brasileira (7 milhões de pessoas) se declaravam sem religião. Em 2000, o
percentual subiu para 7,4%, ou seja 12,4 milhões (veja reportagem na página 86
sobre o pensador ateu Richard Dawkins).
Na hora de
entender os fenômenos do mundo ou encontrar respostas para seus anseios, cada
vez mais pessoas recorrem à ciência ou às propostas da nova era. Aí, podem
entrar em cena o misticismo oriental e outras novas formas de religiosidade. A
auto-ajuda também pega sua carona aqui. A fé nos deuses cada vez mais dá lugar
à crença no poder do homem – ou na mente do homem. “Em vez de esperar por
uma religião, as pessoas tomaram para si mesmas a tarefa da salvação”, observa
o antropólogo Silas Guerriero, professor da PUC de São Paulo. “Salvar-se, nesse
caso, tornou-se sinônimo de ser bem-sucedido, feliz, realizado, enfim, colocar
em prática o potencial que cada um tem”, afirma.
Um outro
ponto que contribui para esse conjunto de influências é o apelo crescente ao
consumo desenfreado da sociedade em que vivemos. Para muita gente, o pensamento
positivo é mais um meio de ter, comprar, possuir. Até mesmo muitas igrejas
andam trabalhando nessa linha. Entre algumas neopentecostais, um ramo do
protestantismo que emergiu nos anos 70, por exemplo, há o discurso de que o
verdadeiro fiel pode “exigir” que Deus realize seus desejos. A única diferença
é que, nesse caso, o caminho para alcançar o sucesso está na fé. Pensando bem,
talvez nem exista diferença. Afinal, sem a comprovação da ciência, o poder
miraculoso da mente, por muito tempo, pode continuar sendo apenas uma questão
de crer ou não crer – e a escolha da crença vai do freguês. Pode ser em Deus,
ou na própria mente.
Também não
é exagero afirmar que o investimento no pensamento positivo pode ser encarado
como uma forma moderna de escapismo. “Para muitas pessoas, isso é um alívio,
pois essas técnicas irão poupá-las do trabalho de questionar qual o sentido de
sua vida, o melhor caminho para seguir e a que atividades desejam se dedicar”,
comenta a filósofa Dulce Critelli, da PUC-SP. As dúvidas existenciais e o
sofrimento dão lugar à busca desenfreada pela casa nova, pelo carro de luxo,
pelo emprego dos sonhos, pelos amores incríveis.
Uma coisa é
certa: os autores mais famosos do gênero conquistaram tudo isso. Em pouco mais
de um ano, Rhonda Byrne acumulou uma fortuna de US$ 48,5 milhões. No mês de
maio, ela foi eleita pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do
mundo. Deepak Chopra abandonou uma sólida carreira de médico endocrinologista
para comandar o Chopra Center for Wellbeing (Centro Chopra para o Bem-Estar),
um império da auto-ajuda sediado na Califórnia. Seus livros, cursos e palestras
rendem a ele mais de US$ 15 milhões por ano. Se o sucesso deles veio graças ao
pensamento positivo ou a idéias brilhantes aliadas a uma boa estratégia de
marketing, não se sabe. Talvez esse seja o verdadeiro segredo.
Dinheiro
amor saúde
Pensar
positivo não faz carros e jóias orbitar ao seu redor. Mas uma atitude otimista
pode, sim, ajudar na sua saúde e no seu bem-estar.
48,5
milhões de dólares. Essa é a fortuna acumulada por Rhonda Byrne, autora do
livro O Segredo, em pouco mais de um ano.
"Cabe
aos comandantes identificar os líderes do grupo e trabalhar na preparação e
motivação de todos para o sucesso."
Bernardinho,
técnico campeão mundial de vôlei, medalhista olímpico.
Ciência
ou auto-ajuda
É muito
comum as teorias sobre pensamento positivo recorrerem à física quântica para
legitimar suas idéias.
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