DIAGNÓSTICO DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. De acordo com um estudo da Oxfam – entidade de combate à pobreza e à injustiça social, presente em mais de 92 países, o Brasil é o segundo país com mais desigualdade dentre os países do G-20, estando melhor somente que a África do Sul, o país do apartheid.

Ao lado de uma economia pujante, hoje a sexta maior economia do mundo, com segmentos produtivos modernos e de alta produtividade, subsistem nichos importantes de baixa produtividade, associados à precária inserção no mercado de trabalho e que, no plano social, projetam uma sociedade calcada na existência da pobreza e da desigualdade. O expressivo crescimento econômico experimentado pelo país no século passado até a década de 1970, não fora capaz de modificar o renitente quadro de iniquidades vivenciado pelo país, da mesma forma que nas “décadas perdidas” de 1980 e 1990.

Essa incapacidade de reversão da desigualdade – algo que outros países lograram realizar, inclusive com menores índices de crescimento econômico – está historicamente associada a dois fatores. De um lado, à ausência de mecanismos institucionais de cunho distributivo, notadamente políticas de rendas (via aumento dos salários de base), programas sociais de combate à pobreza extrema, entre outros. De outro lado, à existência de mecanismos sociais de reprodução das hierarquias e da desigualdade social, dentre os quais se destaca o racismo e muito particularmente as barreiras que perduram para não denunciá-lo.

Por essa análise, o racismo, herança do passado escravista, delineia na sociedade uma visão que estereotipa capacidades e atributos de cada cidadão, culminando no cerceamento das oportunidades que lhe devem ser oferecidas. Ao se configurar como efetivo entrave à possibilidade de ascensão social da população negra, o racismo finda por operar como importante fator da inércia social, naturalizando a existência da desigualdade em qualquer de suas dimensões, e reforçando a reprodução da pobreza e da miséria, mesmo em um ambiente de crescimento econômico. É neste ambiente de pobreza e miséria que está inserido a maior parcela do público observado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Haja vista que as desigualdades entre negros e brancos sejam efetivamente enfrentadas, os indicadores demonstram que os diferenciais entre esses dois grupos permanecem significativos, a despeito das conquistas sociais verificadas. Há, portanto, que se enfrentar o “núcleo duro” das desigualdades sociais no Brasil, as desigualdades raciais, que têm fulcro no racismo historicamente estruturante da sociedade brasileira. O não enfrentamento do racismo implica na não efetivação do processo redistributivo e a permanência deste quadro de desigualdade, que por sua vez inviabiliza a efetivação de uma sociedade democrática e justa.

Na mesma esteira, o racismo, ideologia que explícita ou implicitamente naturaliza e reproduz desigualdades, influencia práticas sociais e está presente como elemento ativo na perpetuação dessas diferenças gerando agressões de toda ordem, física e moral. Assim, o racismo funciona como fator inibidor da ascensão social do negro, fechando portas, reduzindo oportunidades, dificultando acessos a espaços sociais valorizados e prejudicando, quando não inviabilizando, a mobilidade social ascendente da população negra e, em seu extremo, exterminando pessoas. Para entender essa escala social devemos antes aceitar que a agressão moral frequentemente ocasiona agressão física.
É importante lembrar que a população negra representa mais da metade do contingente populacional brasileiro. Mais precisamente 50,7%, da população brasileira - 96,7 milhões de indivíduos - declaram-se pretos ou pardos de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010. Contudo, destes, 7,2% encontram-se em situação de pobreza extrema (índice que para a população branca é de 3%). Já tendo por referência o universo de pessoas em condição de pobreza extrema no Brasil, a sobrerrepresentação dos negros é alarmante – 70,8% dos extremamente pobres no Brasil são negros. A distribuição da pobreza extrema no Brasil por situação de domicílio e grandes regiões com o recorte de raça/cor informa que no Nordeste rural, 75,6% dos extremamente pobres são negros, e no Norte urbano, esse percentual é de 79%.
De modo ainda mais característico no Brasil, há uma associação profunda entre aparência e valores, e combater a violência deve passar por construir elementos que possam reverter isso, considerando o processo histórico e a oportunidade do tema na agenda política nacional.
Por outro viés mais específico está o jovem negro tido como elemento suspeito na sociedade, cabendo destacar aqui as abordagens e operações policiais, não raras vezes, protagonistas desta violência. No entanto, não se dispõe de dados oficiais que quantifiquem e responsabilizem o próprio Estado como ofensor dos direitos humanos da juventude negra no Brasil. Mas é possível exemplificar a violência policial e o racismo institucional com casos emblemáticos, que se apresentam no Quadro 1 a seguir.
Quadro 1
Casos emblemáticos de violência policial contra jovens negros

Ø            No dia 13 de janeiro de 2008, Denis Francisco dos Santos foi espancado por alunos da Policia Militar, e morreu por asfixia, em conseqüência dos golpes recebidos, quando participava de uma prévia carnavalesca no bairro do Cordeiro, em Recife, acompanhado de seus familiares. Denis era negro.
Ø            Na noite de 28 de fevereiro de 2006, 14 adolescentes foram parados pela Polícia Militar no centro do Recife, terça feira de carnaval. Dois deles, Zinael e Diogo, morreram em conseqüência das torturas. Um outro, testemunha contra os policiais, morreu alguns meses depois. Os adolescentes parados pelos policiais eram negros.
Ø            Na madrugada do dia 12 de agosto de 2005, Eli Carlos dos Santos, Fabio Leite de Farias e Alexandre José da Silva, o Bibite, todos três jovens e negros, foram sumariamente executados em Casa Amarela. Os indícios do crime levam a crer na atuação de um grupo de extermínio.
Ø            Na madrugada de 18 de fevereiro de 2007, Fernanda Mara Ferreira Santos, negra, atriz e dançarina afrobrasileira, residente em João Pessoa, foi abordada, juntamente com seu companheiro, também negro, durante o carnaval “multicultural” do Recife. Sem qualquer explicação sobre o motivo da abordagem, foi revistada de forma violenta por policiais masculinos, e em seguida, levada em um camburão a uma delegacia, tendo todos os seus direitos desrespeitados, e sendo ameaçada pelo policial que a conduziu.
Ø            Em 22 de setembro de 2011, por volta das 23 horas, em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, Tony Bernardo da Silva, um negro de 27 anos, africano de Guiné-Bissau, estudante de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso, recebeu um pontapé na traqueia e morreu. O golpe culminou uma sessão de socos e pontapés desferidos por dois policiais e um empresário, sessão que teria durado em torno de 15 minutos.


Em consonância com os casos supramencionados, e ainda os diagnósticos apresentados pela Recomendação 02, de 11 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Segurança Pública – CONASP, tem-se que o aparato nacional de segurança pública é um importante ofensor dos direitos humanos da população negra brasileira. A forma historicamente truculenta com que os agentes da Segurança Pública Nacional abordam a pessoa negra tem como um de seus desdobramentos inibir que as vítimas de racismo recorram aos órgãos de segurança pública para apresentar denúncia. Não raro, o autor da prática de racismo e discriminação racial é o próprio agente de segurança pública.
O racismo é, pois, uma ideologia ainda presente na sociedade brasileira. Atua alimentando estereótipos negativos relacionados à figura do negro, conformando os valores de desigualdade e atuando em favor da reprodução destes.
A partir deste quadro de desigualdades raciais, que é conformador das estruturas sociais no Brasil, o governo brasileiro optou por, de forma transversal e conjunta, enfrentar o racismo e combater as desigualdades raciais no Brasil, conforme expresso no Programa 2034 do Plano Plurianual 2012-2015, denominado Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial, que passa a ocupar, portanto, a agenda prioritária governamental, com várias ações e iniciativas previstas para serem executadas por diversos ministérios e secretarias do Governo Federal. Outras ações também são previstas no âmbito de outros programas federais, especificamente no combate às altas taxas de homicídio contra a juventude negra.
Posto o caráter de urgência, preocupa o aumento do número de mortes violentas dos jovens negros, considerando que o enfrentamento ao racismo e a redução dos homicídios contra a juventude negra compõem a agenda prioritária do Governo Federal, e há de considerar ainda os instrumentos legais informados a seguir.
De acordo com o disposto no Art. 1º da Lei n.º 12.288, de 20 de julho de 2010, que determina que o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela referida Lei, destina-se a, in verbis,

“garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.

O Art. 4.º, em seu caput e item IV, do Estatuto da Igualdade Racial, estabelece que

“[a] participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: IV- promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;”

Por fim, de modo mais específico e orientador, o atendimento das Ouvidorias sociais consiste em dar o devido acolhimento à denúncia, orientando a vítima sobre que procedimentos adotar, e a resolução da matéria objeto da denúncia dá-se sob a tutela da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Com relação às vítimas do racismo, importa salientar que o atendimento é de extrema urgência, ensejando medidas institucionais complementares, igualitárias e cidadãs.

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